Um blogue de viagens, encontros, desencontros e reencontros na VIAGEM que é a vida. "Mais importante que o destino, é a viagem."

sábado, 30 de setembro de 2017

Geórgia

Entrámos na Geórgia pela fronteira terrestre com a Arménia, a sul, em direção à capital, Tbilisi. E já a língua é completamente diferente, escrita com um alfabeto próprio, de 33 letras. O idioma georgiano, a mais difundida das línguas cartevélicas, não é nem indo-europeia, nem turcomana ou semítica.



Para além da Arménia, a Geórgia faz também fronteira a sul com a Turquia, com o Azerbaijão a sul e a leste, com a Rússia a leste e a norte e com o Mar Negro a oeste.

É um país muito montanhoso, delimitado pelo Grande Cáucaso a norte, com uma altitude média de 4600 metros (o ponto mais alto da Geórgia é o monte Chkhara, com 5201 metros), e pelo Cáucaso Menor a sul e a leste, com mais de 3000 metros de altitude média.
A faixa Likhi divide o país em duas metades, a oriental e a ocidental. Historicamente, a porção ocidental da Geórgia era conhecida como Cólquida, enquanto o planalto oriental foi chamado Ibéria. Daí que os georgianos, que etnicamente não se encaixam em nenhuma das etnias predominantes da Europa ou Ásia, eram chamados na Antiguidade de cólquicos ou iberos.

Na mitologia grega, Cólquida era o local do Velo de Ouro procurado por Jasão e os Argonautas no poema épico de Apolónio de Rodes, «As Argonáuticas». Este mito pode ter derivado da prática local de utilização de lã para peneirar o pó de ouro dos rios.
Achados arqueológicos e referências em fontes antigas revelam elementos de formações políticas e estaduais, caracterizados por uma avançada metalurgia e técnicas de ourivesaria que remontam ao século VII a.C.
De forma intermitente, os reinos da Geórgia foram aliados dos romanos por quase 400 anos. Desde o século I, o culto de Mitra, crenças pagãs e o zoroastrismo eram comummente praticados.

No início do século IV, os reinos da Cólquida e Ibéria adotaram o cristianismo tornando-se, a Geórgia, a segunda nação no mundo a adotar oficialmente esta religião. A maioria dos habitantes do país são integrantes, mais especificamente, da Igreja Ortodoxa Georgiana que afirma a sua fundação apostólica em Santo André.  Tal como os arménios, o povo georgiano lutou para proteger a sua identidade cristã perante uma imensa pressão dos impérios islâmicos vizinhos.

A capital e maior cidade do país é Tbilisi, o principal centro financeiro, corporativo, mercantil e cultural da Geórgia, que se situa às margens do rio Kura.

Foi fundada no século V por Vakhtang I, rei georgiano da Ibéria, e elevada à posição de capital no século VI, num local com muitas fontes de águas termais sulfurosas (usadas no tratamento da asma e reumatismo, entre outros) onde, ainda hoje, se pode fazer uma massagem esfoliante e relaxar numa piscina termal.
Tbilisi
Estrategicamente localizada no cruzamento entre a Europa e a Ásia, na histórica Rota da Seda, Tbilisi foi disputada entre diversos impérios e potências rivais.
Kartlis Deda, monumento à mãe do georgiano
O Reino da Geórgia atingiu o seu apogeu nos séculos XI e XII durante o reinado de David IV, o Construtor, e da Rainha Tamara I, sua neta e primeira governante feminina da Geórgia, que figuram entre os mais célebres governantes georgianos. Este período, denominado como a Idade de Ouro da Geórgia ou da Renascença georgiana, foi caracterizado por grandes vitórias militares, expansão territorial e um renascimento cultural em arquitetura, literatura, filosofia e nas ciências.
O país possui uma composição demográfica diversa e abriga, historicamente, povos de várias culturas, religiões e etnias. A arquitetura georgiana tem sido influenciada por esta diversidade de civilizações existindo vários estilos arquitetónicos diferentes visíveis em castelos, torres, igrejas e outras fortificações.

A parte histórica de Tbilisi, compreende exemplos da arquitetura medieval georgiana, muitas casas construídas entre os séculos XVII e XIX e outras que são do período áureo da Art Nouveau. Outro aspeto arquitetónico significativo é a Avenida Rustaveli, a rua principal em Tbilisi, no estilo Haussmann.


As atrações turísticas da cidade incluem, entre outras, a Catedral de Sameba, a Praça da Liberdade, a Catedral Sioni, o Parlamento da Geórgia, a Ópera de Tbilisi, a Basílica Anchiskhati, o monumento Kartlis Deda, a Igreja Metekhi, as cúpulas de tijolo (local de banhos públicos de enxofre), a Fortaleza de Narikala, a Ponte da Paz e o Museu Nacional.







Ponte da Paz
No início do século XIX, a Geórgia foi anexada pelo Império Russo e depois incorporada na RSFS Transcaucasiana, que uniu Geórgia, Arménia e Azerbaijão.
Após a independência, em 1991, a Geórgia pós-comunista, tal como outros Estados pós-soviéticos, sofreu de distúrbios civis e de crise económica na maior parte do século XX. A guerra civil e conflitos militares na Ossétia do Sul e na Abecásia agravaram a crise. Desde a guerra Russo-Georgiana de 2008, a Geórgia mantém a sua posição de que a Abecásia e a Ossétia do Sul são territórios georgianos ocupados pela Rússia.
Depois da Revolução Rosa de 2003, o novo governo introduziu reformas democráticas e económicas e, desde então, desenvolvimentos positivos têm sido observados, constituindo a agricultura e o turismo os principais setores económicos, devido ao clima e topografia do país.
A história económica georgiana demonstra que o país se tem envolvido no comércio com muitas nações e impérios desde os tempos antigos, em grande parte devido à sua localização no Mar Negro e, mais tarde, na histórica Rota da Seda. Ouro, prata, cobre e ferro foram, por muito tempo, explorados em minas nas montanhas do Cáucaso. O vinho georgiano é uma tradição muito antiga e um ramo fundamental da economia do país.
Os primeiros indícios de vinho foram encontrados, até à data, no que é hoje a Geórgia, onde jarros de vinho com 8.000 anos foram descobertos. Tanto a cultura da videira como a do vinho estariam aqui bem estabelecidas já pelo Neolítico. Isto torna a Geórgia o mais antigo produtor de vinho da história. Além disso, mais de metade das variedades de uva do mundo vem daqui.
Deslocámo-nos, então, para Kakheti, o berço do vinho, a apenas 15 quilómetros a leste da capital. 70% da produção de vinho da Geórgia procede desta região que tem Telavi como principal cidade e centro administrativo.
Telavi está situada no vale de Alazani, rodeado de vinhas, entre as montanhas Gombori e o Cáucaso e é um ponto de base para explorar as riquezas vitivinícolas, históricas e arquitetónicas da região.
Visitámos várias vinícolas para conhecer melhor o processo de produção de vinho e, claro, degustar alguns deles. O solo, o clima e as mais de 500 variedades de uva existentes criam condições únicas para produzir o ótimo vinho georgiano.
O vinho é produzido em grandes vasos de barro enterrados no chão, conhecidos como “qvevri”, com volumes que variam dos 20 aos 5000 litros. Nestas ânforas, o vinho sofre fermentação e maturação por vários meses e esta metodologia antiga ainda é largamente usada na Geórgia.
Tivemos também a oportunidade de almoçar em casa de uma família local para saborear a gastronomia típica da região, testemunhando assim a hospitalidade deste povo amistoso e orgulhoso das suas raízes e tradições.

Pratos famosos da Geórgia incluem o Khachapuri (massa de pizza em forma de barco, recheada com ovo e queijo), Khinkali (pasteis cozidos recheados de carne, queijo ou cogumelos), lobio (preparação com feijão fresco, tirado da vagem), Badrijani (beringela recheada com uma pasta de nozes), etc.

Tsinandali
A 80 km de Telavi, situam-se os deslumbrantes jardins de Tsinandali e o palácio residencial da família Chavchavadze, agora transformado em museu.
Esta propriedade pertenceu ao poeta aristocrático do século XIX, Alexander Chavchavadze (1786-1846) que aí tinha por hábito receber convidados estrangeiros com música, talento e, sobretudo, com os vinhos finos provenientes da, agora, histórica vinícola. Familiarizado com práticas europeias, Chavchavadze construiu a mais antiga e maior adega da Geórgia combinando tradições europeias com décadas de vinificação georgianas. O conceituado Tsinandali branco seco ainda aqui é produzido.
Mais a leste, visitamos Sighnaghi, uma das cidades mais pequenas da Geórgia, popular pelas suas paisagens pitorescas no coração das regiões vitícolas, bem como pelas suas muralhas, casas em pastel com varandas de madeira e ruas estreitas e empedradas. Localizada numa colina, Sighnaghi tem vista para o vasto Vale de Alazani, com as montanhas do Cáucaso no horizonte.
Sighnaghi
A muralha de Sighnaghi, com cerca de 5 quilómetros e 23 torres, construída nos tempos do rei Erekle II em 1770,  ainda é considerada um dos mais importantes monumentos históricos da Geórgia. Uma pequena secção da muralha foi recentemente restaurada para o turismo.
Churchkhela é um doce tradicional georgiano em forma de vela confecionado com sumo de uva, nozes e farinha. A tecnologia tradicional de churchkhela na região de Kakheti foi inscrita na lista de Património Cultural Imaterial da Geórgia em 2015.
 Kvareli
Após pernoita em Kvareli, rumamos a oeste para visita a outro marco notável da região de Kakheti: Gremi.
Trata-se de um monumento arquitetónico do século XVI, a cidadela real e a Igreja dos Arcanjos. O complexo é o que sobreviveu da cidade, uma vez florescente, de Gremi e está localizado a sudoeste da atual aldeia com o mesmo nome.
Gremi
O conjunto arquitetónico de Gremi foi construído nos tempos do rei Levan que anunciou Gremi como a capital do Reino de Kakheti. Levan governou de forma pacífica e o Reino de Kakheti alcançou poder e crescimento económico no seu reinado. Fontes históricas observam que a cidade de Gremi estaria ligada à lendária Rota da Seda.
Infelizmente, Gremi durou apenas um século e meio. No século XVII, foi arrasada pelos exércitos de Shah Abbas I da Pérsia. A cidade não tornou a recuperar completamente e a capital foi mudada para Telavi.
Vestígios de um caravançarai, banhos públicos, bancas comerciais, adegas, restos de armas e canos de água e os vários objetos da vida quotidiana expostos no museu local dão conta da brilhante cidade que aqui existiu.
Mais para ocidente, situa-se o Mosteiro de Alaverdi, um mosteiro ortodoxo do séc. VI. Situado no coração da região vinícola mais antiga do mundo, os monges também produzem o seu próprio vinho, conhecido como Alaverdi Monastery Cellar.

Dentro deste complexo fortificado, está a Catedral de Alaverdi, um dos templos medievais mais conhecidos da Geórgia. Foi construída no século XI no local de uma pequena igreja de São Jorge. Era uma das estruturas mais altas do país até à construção da recente Catedral da Santíssima Trindade de Tbilisi, comummente conhecida como Sameba. A cúpula alta no interior da catedral aumenta a sensação de espaço infinito.


A oeste da capital, na direção de Gori, localiza-se Uplistsije ou “Fortaleza do Senhor”, uma antiga cidade fortificada esculpida nas rochas vulcânicas da cordilheira Kvernaki. Uplistsikhe foi mencionada pela primeira vez nos anais do século I a.C. e prosperou nos séculos IX e X. Hoje faz parte da lista de monumentos protegidos da UNESCO.
 Uplistsije
Uplistsikhe era uma cidade de culto, um grande centro pagão antes da introdução do cristianismo na Geórgia. Foi destruída no séc. XIII como resultado da invasão devastadora das hordas de Genghis-khan.
Centenas de estruturas diferentes - templos, edifícios públicos, casas, ruas, praças etc.  foram cortadas na rocha, repetindo exemplos da arquitetura convencional: colunas, pilastras, capitais, arcos, etc. Algumas instalações, depósitos de vinho, partes de templos e fortificações e o túnel subterrâneo secreto usado para o abastecimento de água ainda estão intactos.

Situa-se nas margens do rio Kura e o cenário envolvente é belíssimo. Para além dos animais a pastar junto ao leito, podemos ver o "djodjo" caucasiano a passear pelas rochas.

Mtskheta, uma antiga capital do Reino da Geórgia, fica a 20 km de Tbilisi e está também declarada Património Mundial pela Unesco. Aqui se reúnem vários lugares sagrados e de culto, razão pela qual esta antiga cidade também é denominada “a segunda Jerusalém”. As principais atrações são a Catedral de Svetitsjoveli e o antigo Mosteiro de Jvari, ambos surpreendentes e únicos exemplos da arquitetura religiosa do Cáucaso medieval.
A cidade foi fundada na segunda metade do primeiro milénio a.C. e floresceu no tempo de Alexandre, o Grande. Mtskheta possuiu o status de capital por quase mil anos até final do século V quando o governante Vakhtang Gorgasali decidiu transferir a capital para Tbilisi. Apesar disso, Mtskheta permaneceu o centro espiritual do país para onde, até aos dias de hoje, afluem peregrinos cristãos e turistas de todo o mundo.
A Catedral Svetitjhoveli é um monumento de culto da Geórgia cristã, um dos principais templos georgianos ortodoxos. Foi construída no século XI no local da Igreja dos Doze Apóstolos, a primeira igreja cristã georgiana erguida no século IV. É o local onde estará guardada uma das maiores relíquias do mundo cristão: a Santa Túnica.
A lenda conta que Elioz, um cidadão de Mtskheta, encontrou o manto de Jesus Cristo em Jerusalém. A irmã de Elioz, Sidonia, morreu ao tocar no manto e com ele foi enterrada. Logo uma grande árvore, cedro do Líbano, cresceu no túmulo de Sidonia. Quando o governante Mirian decidiu construir um templo no local onde a Santa Túnica estava enterrada, o cedro foi cortado e com ele fizeram sete colunas que começaram a instalar na igreja. Enquanto seis das colunas ficaram no seu lugar, a sétima ficou pendurada no ar.
Santa Nino, Iluminadora da Geórgia, orou toda a noite até que a coluna “sem um toque de mão humana” congelou no seu lugar e começou a derramar unguento sagrado. O crisma miraculoso curou pacientes com doenças graves. Daí o nome Svetitskhoveli que em georgiano significa “o pilar que dá vida”.
Os fragmentos de frescos que ainda podem ser vistos no interior da catedral, dos séculos XVI e XVII, retratam as cenas da lenda sobre a Santa Túnica. Sob o grande arco está o lendário Pilar da Vida.
Da catedral podemos observar, no cimo de um monte, o Mosteiro Jvari (Mosteiro da Cruz), um mosteiro ortodoxo do século VI, o mais antigo monumento de culto construído no início do cristianismo georgiano. 
Segundo a lenda, foi aqui que Santa Nino da Capadócia colocou a Cruz Sagrada simbolizando a aceitação do cristianismo pela Geórgia. Mais tarde, sobre a Cruz, foi construído o Templo da Cruz Sagrada. 
Mtskheta
Jvari está em perfeita harmonia com a natureza circundante e oferece uma vista magnífica sobre Mtskheta, localizada na confluência dos dois rios de montanha mais conhecidos na Geórgia, o Aragvi e o Kura. Nas encostas ventosas perto do mosteiro cresce a Árvore dos Desejos onde os peregrinos prendem fitas com a esperança de que os seus desejos sejam concedidos.

Achei a Geórgia um país fascinante, com muito para explorar. Para além de imensos locais culturais e históricos para visitar, este país multifacetado permite esquiar nas altas montanhas do Cáucaso, no inverno, nadar no Mar Negro, no verão, ou apreciar a vindima do vinho em Kakheti, no outono.
Para além disso, a moeda local, o lári, permite economizar no dia a dia pois o custo de vida é relativamente baixo no país. Fica a vontade de voltar, sobretudo para conhecer as montanhas...

Voo de Tbilisi a Lisboa com transbordo em Istambul (Turkish Airlines).