Fazer um só post sobre a Índia e mostrar os lugares que visitei das três vezes que lá estive, é obra. E no entanto eu não conheço o sul. O país é enorme e deveras ecléctico. As peripécias, aventuras, sincronicidades, são muitas. Para não falar do descomunal choque cultural com o ocidente. Fica uma amostra.
Comecei por Delhi. A poluição é muita, a pobreza atroz. Somos assaltados por uma miscelânea de sentimentos difíceis de descrever. Dor, constrangimento, estupefacção. Penso que para visitarmos a Índia temos primeiro que nos mentalizar para uma grande aceitação. Do mais bizarro que conseguimos imaginar e do que não. E convencermo-nos de que não vamos salvar o mundo.
Depois deixamo-nos invadir pelo lado belo, mágico e místico deste país que nos surpreende a cada esquina. Descontraímos. Deparam-se-nos as mais hilariantes situações, também elas nunca dantes imaginadas. E aprendemos. Muito. Apenas vendo, admirando, interiorizando. A Índia é uma lição pr’à vida.
Visitei pela primeira vez a Índia em Dezembro de 2005 integrada numa viagem que reservei pela internet. O grupo faria visitas a locais sagrados relacionados com o Budismo, o que desde logo me cativou. E da capital fomos para o Bihar, a região mais pobre do país.
O caminho para a gruta onde Buda meditou, Maha Cave, é ladeado por um rol de pedintes, o que nos deixa perfeitamente consternados.
Nesta viagem visitámos várias escolas e oferecemos material escolar previamente angariado. Um calorzinho p’rà alma ante as condições que presenciamos.
Deslocamo-nos a Sarnath, onde Buda fez a sua primeira pregação e ao fim da tarde assistimos à cerimónia de oferenda de luzes junto ao rio Ganges, em Varanasi.
De madrugada passeamos de barco para apreciar o nascer do sol no rio Ganges, participando da oferenda de flores e luzes. Peregrinos banham-se nas margens do rio ao mesmo tempo que as cinzas dos mortos cremados ali ao lado são lançadas nas águas sagradas.
Já depois do regresso do grupo a Portugal, voltei a Delhi onde fui acolhida por uma gentil família indiana. A minha estreia no couchsurfing. Excelente por sinal. Mais do que uma forma de poupar em alojamento, já que na Ásia tanto este como a alimentação podem ser bem baratos, o CS permite-nos mergulhar directamente na cultura do país em questão. E muitas vezes fazer novos amigos.
E de Delhi dei um pulinho a Agra, de comboio, para ver o Taj Mahal nas margens do rio Yamuna. No ano seguinte, regressei à India e fiz uma breve incursão no Rajastão começando por Jaipur.
Observatório Astronómico, Palácio da Cidade, Palácio do Vento
Palácio Amber
Ajmer, Pushkar
Nesse mesmo ano e saindo da fronteira este do Nepal, ingressei na India rumo a Darjeeling, cidade famosa pela sua indústria do chá. A cidade tem uma altitude média de 2130m e fica situada perto do Kanchenjunga, a terceira montanha mais alta do mundo, com 8586m de altitude, situada na cordilheira do Himalaia.
De jipe-táxi, partilhado com outros amigos viajantes, continuei para o Sikkim. Isto foi em Agosto, tempo das monções. A dada altura ficámos horas retidos na estrada devido a um aluimento de terras. Formou-se uma fila de trânsito considerável e nós ficámos precisamente parados na ponte sobre o rio que corria bravo e barrento. As pessoas saíam dos carros e, enquanto a estrada era reparada, aproveitavam para conversar descontraidamente. Ninguém se exalta ou impacienta. Os deslizamentos de terra são frequentes na época, muitas vezes colhendo vidas. Não foi o caso.
O Sikkim é um antigo reino budista situado entre o Nepal e o Butão e faz fronteira, a norte, com a Região Autónoma do Tibete. Foi disputado por nepaleses, butaneses, chineses e tornou-se um protectorado britânico. Foi anexado à Índia em 1975. Ainda assim temos de obter uma autorização especial à entrada neste estado. Mas muito mais limpo e organizado que outros estados indianos.
Gangtok, vista do teleférico, Do-Drul Chorten
Gangtok é a capital e maior cidade deste estado indiano aninhado nos Himalaias. Está a 1437 metros de altitude.
Mosteiros budistas: Rumtek e Enchey
De Siliguri ainda apanhei um autocarro para Jaigoan até à fronteira com o Butão. Só assim me convenci de que realmente a entrada neste país, para os turistas, tem que ser tratada (e bem paga) com antecedência.
Em 2007, encantada com o Oriente, os Himalaias, o povo, a cultura tibetana, voltei à India. De Delhi dirigi-me para norte, de autocarro.
Chandigarh: Rock garden, Rose garden
Amritsar: Templo Dourado
O Templo Dourado em Amritsar, no Punjab, é o berço sagrado da religião Sikh. Para o Sikhismo esta é a Casa de Deus que simboliza a liberdade infinita e a independência espiritual. O templo é decorado com figuras esculpidas em mármore, relevos em ouro e incrustações de pedras preciosas. Voluntários sikhs asseguram os trabalhos no templo e oferecem comida gratuita a todos quantos apareçam.
Em Attari, na fronteira com o Paquistão, assistimos ao espectáculo do encerramento diário da fronteira entre os dois países.
Depois de uns dias mais frescos em Dharamsala, McLeod Ganj, residência do Dalai Lama, então ausente, seguimos para Jammur e daqui para Srinagar. Este trajecto está fortemente militarizado, constantemente nos cruzávamos com soldados e colunas militares.
Caxemira é o estado predominantemente muçulmano na Índia que é maioritariamente hindu. O território original do reino agora está dividido entre a Índia, o Paquistão e a China. O Paquistão controla o segmento ocidental desde a primeira guerra Indo-Paquistanesa. Os chineses ocuparam a extremidade da parte oriental, Aksai Chin, desde a guerra Sino-Indiana de 1962. Apesar de tudo estar ultimamente mais calmo, a tensão existe. Uma bomba explodiu num autocarro que passava junto ao restaurante em que eu entrara.
Não houvera presenciado este acontecimento e o Vale de Caxemira transpareceria um dos lugares mais pacíficos do mundo. Sem dúvida um dos mais belos em que já estive. Em Srinagar hospedamo-nos em ‘houseboats’, os barcos-casa, ancorados às margens do magnífico Dal Lake. O poeta irlandês Thomas Moore designou-o “o paraíso da terra”.
Este lago cobre uma área de 18 quilómetros quadrados. Nele passeamos de ‘shikara’, barco típico, contemplando as flores de lótus, nenúfares e outras plantas aquáticas, as aves de rapina que vêm pescar ao lago, crianças que se banham felizes, jardins flutuantes, o mercado flutuante de legumes, os picos nevados dos Himalaias, a vida que corre lenta ao sabor dos remos.
Niggin Lake
Para além dos jardins mongóis visitei o santuário Roza Bal, localizado no bairro Khanyar em Srinagar, venerado por muçulmanos, hindus e budistas. O sábio aí sepultado é identificado por muitos como sendo Youz Asouph, Jesus de Nazaré, que teria chegado a Caxemira após sobreviver à crucificação. Mais adiante, nesta minha viagem, viria a deparar-se-me o livro de Holger Kersten "Jesus viveu na India", que mais informação me trouxe sobre o assunto.
Gulmarg, "o prado de flores", uns cinquenta quilómetros a oeste de Srinagar, tem algumas das melhores pistas de esqui do mundo e o campo de golfe mais alto. A cavalo e depois de teleférico subimos às verdes montanhas, nesta altura de verão, que fazem lembrar a Suíça.
Depois apanhamos um autocarro e aventuramo-nos então numa viagem única e inesquecível de Srinagar até Leh. Viagem de cerca de 450 km que demora no mínimo dois dias, com pernoita em Kargil. A presença militar é constante em todo o percurso e paramos em vários check-points para controlo de passaportes.
A estrada, aberta pelo exército indiano, apresenta péssimas condições e percorre os Himalaias atravessando passagens montanhosas bastante elevadas. Garante adrenalina a cem por cento. A partir de Sonamarg a paisagem começa a mudar radicalmente até à passagem de Zoji La, a 3550m de altitude. Estamos no Ladakh, região conhecida como "Pequeno Tibete", famosa pela sua beleza montanhosa, as suas paisagens remotas e cultura budista tibetana. É a região habitada mais alta do mundo.
Já para lá de Kargil, passamos em Mulbek, localidade em que se encontra uma estátua de Maitreya, o Buda futuro, com 9 metros de altura, esculpida em rocha sólida. Atravessamos Namika La, uma passagem ventosa e com vistas fabulosas e mais adiante Fotu La, o ponto mais alto da rodovia Srinagar - Leh, a 4110m de altitude.
Decidimos ficar em Lamayuru para visitar um dos mais antigos gompas (mosteiro budista) do Ladakh que pertence à seita dos Chapéus Vermelhos e abriga cerca de 150 monges budistas. O mosteiro é constituído por uma série de santuários e apresenta uma rica colecção de thankas e pinturas magníficas. Com muito agrado assisto aos cânticos dos monges que no final nos oferecem chá.
Lamayuru
Continuamos de jipe desafiando desfiladeiros íngremes. Apeamo-nos num cruzamento e apanhamos boleia num camião que nos conduz até Alchi. Na aldeia existe um dos mais antigos mosteiros do Ladakh (património nacional), conhecido principalmente pelas suas esplêndidas e bem preservadas pinturas murais do século XII.
Finalmente chegamos a Leh, capital da região, localizada no vale do rio Indo, a uma altitude de 3550m. A cidade, dominada pelo agora arruinado Palácio, antiga mansão da família real do Ladakh, estava engalanada para a passagem do Dalai Lama de visita àquela zona.
Leh
Shanti Stupa, Mosteiro de Thiksey
Mosteiro de Hemis
Livros sagrados, Biblioteca
Danças e trajes típicos tibetanos
Para visitar Nubra Valley, uma área restrita, necessitamos de obter autorizações, facilmente conseguidas, em Leh. Na passagem de Khardung La uma placa anuncia que aquela é a estrada circulável mais alta do mundo, a 5600m de altitude.
O Vale do Nubra, a uma altura média de mais de 3000m, fica na rota comercial que ligava o Tibete oriental ao Turquistão através do famoso Karakoram Pass. Paisagens bucólicas e deslumbrantes, imbuídas em silêncio, convidam-nos a uma viagem no tempo.
Mosteiros de Diskit e Sumur
Prosseguimos de autocarro de Leh para Manali, mais um percurso de dois dias cobrindo uma distância de 473 km. Outra rota com altas passagens, montanhas escarpadas, cenários fantásticos. Os solavancos são constantes e o cascalho rola montanha abaixo onde, por vezes, avistamos camiões virados ao contrário. Viagem não aconselhável a quem sofre do coração.
Cruzamos algumas das passagens montanhosas mais elevadas do mundo, incluindo Rohtang La (3.978 m), Baralacha La (4.892 m), Lachulung La (5.059 m) e Taglang La (5.325 m).
Várias espécies selvagens de ovelhas e cabras vivem nas montanhas. Alguns pastores instalam-se aqui durante o verão. Os turistas pernoitam nos acampamentos de Sarchu ou em Keylong.
A melhor época para visitar o Ladakh é de junho a setembro. A estrada só está aberta uns três meses por ano e bloqueada com neve nos restantes. Além disso a monção não chega aqui pois os Himalaias constituem uma barreira natural.
Apesar de ser uma região árida e inexorável, o Ladakh é um lugar que encanta. As montanhas tomam todas as cores, ou pelo menos foi assim que as vi, extasiada. Esta mágica vastidão montanhosa deixa-nos completamente rendidos.
Após Keylong, o centro administrativo do distrito Lahaul e Spiti, no estado indiano de Himachal Pradesh, a paisagem torna-se mais verde. Transpomos riachos que galgam a estrada. O autocarro também vai mais cheio. Por dentro e por fora.
A estrada serpenteia montanha abaixo e acima
Rohtang Pass, a 3978m, não é a passagem mais alta do percurso, mas tem reputação de perigosa graças a nevascas e tempestades imprevisíveis. Autocarros e camiões ‘encolhem-se’ na estrada estreita ao cruzarem uns com os outros. E o abismo ali tão perto…
Manali, a 2050m de altitude, no vale do rio Beas, é uma importante estação de montanha, ao norte do vale de Kullu. A cultura volta a ser predominantemente hindu. Há banhos termais à disposição.
Old Manali
Manikaran; a caminho de Mandi
Normalmente não levo comigo guias de viagem, traço por alto um plano do que quero visitar, recolho informação no trajecto ou simplesmente espero que a informação venha ter comigo. Isto aconteceu constantemente nesta viagem e foi assim, por exemplo, que fui dar a Rewalsar, uma localidade situada à beira de um lago sagrado onde ficamos hospedados no mosteiro budista.
Depois de uns dias num ashram em Rishikesh, uma cidade vegetariana e sem álcool por lei, nas faldas dos Himalaias, dirigimo-nos para Haridwar, igualmente um importante local de peregrinação no estado de Uttarakhand, às margens do rio Ganges. Regresso a Delhi depois deste circuito.
Olá desde logo admiro o seu sentimento de aventura e claro de coragem por viajar por essas terras longínquas.
ResponderEliminarTenho algumas perguntas para si se não se importar.
Em termos financeiros como consegue sustentar esta aventura? estamos a falar de viajens aos 5 continentes que efetuou xD.
É aqueles problemas burocraticos em cada país como os resolve?
Bem só queria ter poder financeiro e aventurava por esse mundo fora quiça algum dia :)
Tiago
Olá Tiago, obrigada pelo seu comentário, é bom ter o feedback de quem nos lê. Ainda não fui aos 5 continentes, falta a Oceania, e não encontrei até hoje grandes problemas burocráticos nas minhas viagens, tudo teve fácil resolução. Sempre as sustentei com o meu trabalho e opto mais por viagens aventura organizadas por mim em vez dos 'pacotes' normalmente muito mais caros para certos destinos. E eu já trabalho há uns anitos! O que me admira a mim é a quantidade de jovens de outras nacionalidades que encontro nessas paragens distantes.
ResponderEliminarTambém me desfiz de alguns bens materiais quando parti para a minha ‘Viagem Incógnita’, o meu outro blog onde tentei dar uma ideia dos custos ao viajar pela Ásia.
Espero que realize esse sonho de se aventurar mundo fora, uma experiência que recomendo. A ‘dificuldade’ está por vezes em darmos o primeiro passo já que, se for preciso, gastamos muito mais ao estar por casa…
Olá,
ResponderEliminarAo passar os olhos por esta página, reconheci o Forte Vermelho, o Taj Mahal, Jaipur,... e bateram-me as saudades daquele país tão singular que é a Índia.
Gostei muito do registo.
beijos
Pois é pena ficar tão longe e não haver uma boa ligação low cost de Portugal para lá, se não também já poderia conhecer o sul da Índia como tu que já conheces. Eu evitei-o nas alturas em que fui por ser época de monções...
ResponderEliminarBjinhos e obrigada!