Um blogue de viagens, encontros, desencontros e reencontros na VIAGEM que é a vida. "Mais importante que o destino, é a viagem."

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Cabo Verde, Sal

Comprei os voos internacionais de ida e volta para a Ilha do Sal e o voo doméstico para São Vicente onde me iria encontrar com amigos que já estavam nesta ilha. Em São Vicente apanhámos o barco para Santo Antão. Depois de regressarmos a São Vicente eu regressei ao Sal, sozinha, já que dispunha de menos tempo de visita que eles e não  me  poderia deslocar a outras ilhas do arquipélago. Assim, visitei vários pontos da Ilha do Sal, nas duas curtas vezes que lá estive, na ida e no regresso a Lisboa. Fiquei hospedada num hostel no centro de Santa Maria, onde reservei as excursões e onde conheci duas simpáticas amigas espanholas.

Sal é uma ilha do grupo do Barlavento de Cabo Verde e dista cerca de 50 km em linha reta da ilha da Boavista, sua mais próxima vizinha.

É uma das menores ilhas habitadas, estendendo-se por 30 km de comprimento e 12 km de largura. Foi descoberta em 1460 pelo português Diogo Afonso e pelo genovês Antonio di Noli.









Por não possuir água potável a ilha conheceu o abandono até que, a partir de 1830, se iniciou a exploração de sal na localidade de Pedra de Lume.

Outro grande lago salgado seria descoberto em Santa Maria por Manuel António Martins, Governador de Cabo Verde e da Guiné até 1835. Esta atividade deu início ao povoamento que incrementou num curto espaço de tempo quando se deu a implementação de um sistema de captação de água pluvial.
A indústria do sal prosperou, com 30.000 toneladas sendo exportadas nos primeiros anos, a maior parte para o Brasil, e dinamizou a economia da ilha até meados da década de 1980.
Com o objetivo de constituir um ponto de escala para os voos com destino à América do Sul, em 1939 foi construído o aeroporto internacional, hoje designado Aeroporto Internacional Amílcar Cabral, por iniciativa italiana, sendo depois comprado pelos portugueses.
Os trabalhadores, a maioria provenientes da ilha de São Nicolau, fixaram-se a nordeste do aeroporto, num lugar chamado Preguiça, agora parte de Espargos, capital da ilha e a cidade com mais habitantes. Espargos situa-se no centro da ilha e a subida até ao “radar” oferece vistas panorâmicas sobre a cidade e ao seu redor, incluindo o ponto mais alto, o Monte Grande, com 406 m de altitude.
 Santa Maria
Santa Maria, ao sul, é o centro turístico e o segundo maior centro populacional da ilha, dispondo de uma boa estrutura hoteleira. O turismo, focado nesta área, substituiu o sal e a pesca como principal fonte de receita. E a ilha do Sal tornou-se o principal foco de atração turística do país.

As longas extensões de areia branca a par das cristalinas águas azul-turquesa, com temperatura amena durante o ano todo, acrescidas da simpatia deste povo com o seu espírito “morabeza” e do ritmo de uma música contagiante, tornam o cenário ideal como destino de férias.

Um destino para os amantes da praia e do mar, das esplanadas e dos bares à noite, dos resorts (embora haja outras opções de alojamento).
E também para os praticantes dos desportos aquáticos como a pesca, o surf e o bodyboard, o snorkeling e o mergulho, podendo aqui ser observados, a poucos metros de profundidade, tanto coloridos recifes de coral como navios afundados, peixes tropicais e tartarugas, para além dos golfinhos avistados nos passeios de barco.
A proximidade ao continente africano, torna a ilha vulnerável ao vento quente e seco do deserto que transporta a areia do Saara, formando-se, por vezes, uma espécie de nevoeiro conhecido como bruma seca. Mas o facto de ser uma ilha ventosa torna-a também propícia à realização de desportos como o windsurf e o Kitesurf.
A ilha é praticamente plana, apesar da sua origem vulcânica, e a paisagem árida com escassa vegetação sobretudo nos meses mais frescos. Ainda assim, a par das atividades em que se pode participar, há lugares de visita obrigatória na ilha. Estas excursões de meio-dia podem ser marcadas no hotel e custam 25€. Eu parti de Santa Maria, onde fiquei alojada num hostel.
No Pontão de Santa Maria juntam-se os pescadores que remendam as redes e partem para a sua faina. As mulheres vendem as capturas do dia e discutem-se preços.
Há sempre peixe fresco e saboroso à mesa dos restaurantes desta localidade em que também a cachupa e a lagosta grelhada são pratos típicos.
Na costa sudoeste da ilha fica a ampla Baía da Murdeira na proximidade da qual se situam tanto o penhasco como o ilhéu desabitado Rabo de Junco. A baía é protegida como uma reserva natural marinha, que é área de nidificação para tartarugas e aves marinhas.
E também há miragens na Ilha do Sal, mais visíveis nas zonas desérticas e quando o calor e o sol são mais fortes. A miragem de Terra Boa é uma ilusão de ótica que evoca um pacífico lago no meio de uma grande planície.
Na costa ocidental norte da ilha, existem piscinas rochosas naturais, escavadas na lava pela força do mar. Destaca-se a designada por Buracona em que, numa escura caverna subaquática com vários metros de profundidade, podemos observar o “olho azul” pelo efeito da reflexão da luz do sol na água.
É na pequena vila piscatória de Palmeira, também a oeste, que se encontra o principal porto da ilha. Os pescadores amanham o peixe acabado de chegar ao porto e as mulheres, com os seus trajes típicos, tentam vender aos turistas peças de artesanato.
 Palmeira
Do outro lado da ilha, na baía da Parda, é possível a observação de tubarões que abundam por ali e vêm até à rebentação das ondas. Entramos na água com uns sapatos adequados para caminhar sobre as pedras (são cobrados 2€) e ali andam eles, bem perto de nós.
As belas salinas de Pedra Lume, que ficam 4 km a este de Espargos, formaram-se numa antiga cratera vulcânica que foi inundada pela água do mar criando uma lagoa. A cratera tem vários quilómetros de largura e situa-se abaixo do nível do mar. Foi aqui que, no século XIX, se instalou a indústria de extração e produção de sal que mais tarde cessou com a concorrência estrangeira. Agora o sal é retirado de forma mais artesanal.
Salinas de Pedra Lume
Os tons magníficos deste cenário e os elevados níveis de salinidade da água (27 vezes mais salgada do que a água do mar) que nos permite flutuar, recriando o ambiente do Mar Morto, converteram o local numa atração turística. É necessário pagar à parte 550 escudos para aceder ao interior da cratera e à lagoa que valem bem a pena por esta experiência no local onde tudo começou e que deu o nome à Ilha do Sal.
Para viajar para Cabo Verde basta ter o passaporte válido pois o visto pode ser obtido à chegada ao aeroporto pela quantia de 25€. Para quem pensa visitar outras ilhas sai mais em conta adquirir também os voos domésticos antes de viajar para o arquipélago, juntamente com o voo internacional.

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Cabo Verde, Santo Antão

Santo Antão é uma das nove ilhas habitadas de Cabo Verde, a segunda maior do arquipélago em superfície e a terceira em população, com aproximadamente 40 km de extensão longitudinal e cerca de 20 km de largura. De origem vulcânica, Santo Antão é a ilha mais setentrional e ocidental de Cabo Verde e a mais afastada do continente africano, pelo que o seu extremo oeste é considerado o ponto mais ocidental de África. Uma cadeia de montanhas, tida durante muito tempo como intransponível, separa a ilha entre norte e sul. O ponto mais elevado da ilha é o Topo da Coroa, vulcão inativo com 1979m, que se destaca de uma zona planáltica no noroeste da ilha.


Desabitada aquando da descoberta em 1462 por Portugal, apenas começou a ser colonizada em 1548. O nome foi dado pelo navegador português Diogo Afonso em consonância com o santo do dia da descoberta, tal como ocorreu com outras ilhas do grupo (São Vicente, São Nicolau e Santa Luzia), e de acordo com o hábito já usado nos Açores. Os principais aglomerados populacionais são a vila da Ribeira Grande, Porto Novo e a Ponta do Sol.
Chegados de barco a Porto Novo, espera-nos a carrinha previamente reservada e que nos transporta encosta acima rumo às nuvens. Aí nos deparamos com o contraste entre a vertente da ilha voltada a sudeste, muito árida, e a zona nordeste que, graças a chuvas relativamente regulares, é mais verde.
Atravessamos bosques de coníferas e cedros e chegamos à espetacular Estrada da Corda, uma estrada empedrada construída nos anos sessenta do século XX, que conduz aos municípios da Ribeira Grande e do Paul e que se desenvolve na linha de cumeada que separa os vales da Ribeira Grande e da Ribeira da Torre. Mais uma vez paramos para contemplar a beleza avassaladora da paisagem.
As montanhas, compostas de basalto, erguem-se a centenas de metros de altura e pequenas povoações aninham-se nas encostas escarpadas que descem até ao mar.
Serpenteamos então estrada abaixo até à Ribeira Grande e ficamos hospedados na Ponta do Sol de onde partimos, no dia seguinte, para o trilho que liga esta localidade à aldeia da Cruzinha da Garça. É um trilho com mais de 10 km que leva umas seis horas a percorrer.
Ponta do Sol está localizada numa fajã, ou seja, numa pequena extensão de terreno plano situado à beira-mar, suscetível de cultura, formada por materiais desprendidos das arribas ou resultantes de escoadas de lava que penetram no mar.
Começamos a subir o trilho rasgado nos flancos das fragas vulcânicas, primeiro junto ao mar e depois mais para o interior, até chegarmos à aldeia das Fontainhas, alcandorada numa vertente e rodeada de campos cultivados em socalcos.
Fontainhas
Continuamos a percorrer o caminho vicinal que, de novo, segue em direção ao mar e a cada momento nos espantamos com as magníficas vistas panorâmicas. Uma descida acentuada, ladeada pelas estações da Via Sacra, leva-nos à aldeia do Corvo, aninhada no fundo da ribeira homónima.
Após o almoço na localidade de Formiguinhas, trilhamos o caminho ora talhado no alçado vertical das falésias ora encravado na base das ravinas escarpadas, subindo e descendo o piso irregular, sob o sol escaldante.
Em Chã de Mar, aldeia abandonada, depara-se-nos uma íngreme subida em ziguezague e continuamos o percurso costeiro passando por belas e solitárias praias de areia negra e outras de areia branca até chegarmos, por fim, à Cruzinha da Garça.

Aqui espera-nos o nosso motorista que nos leva de regresso ao hotel, passando em Chã de Igreja e outras pequenas localidades, através de um percurso também ele espetacular.
São estas paisagens recortadas no horizonte, o contraste entre as áreas verdes e outras totalmente secas, a rede de trilhos de acesso às povoações e aos campos de cultivo, através de aldeias em socalcos empoleiradas nas vertentes ou através dos vales verdejantes das ribeiras, que têm atraído os amantes das caminhadas, da natureza e do ecoturismo.

Outro trilho emblemático em Santo Antão é a descida da Ribeira de Paúl desde a Cova até à Vila das Pombas. De manhã cedo, deixámos a Ponta do Sol e tomámos a sinuosa estrada interior até ao cruzamento com a estrada que liga ao Pico da Cruz, onde começa (ou acaba para quem o faz em sentido contrário) o percurso. Deixámos os nossos pertences ao cuidado do nosso zeloso motorista e demos início à caminhada contornando a Cova, uma cratera vulcânica fértil em cultivos vários como inhame, feijão, batata, milho.
O dia estava luminoso mas quando nos acercámos da borda da cratera eis que nos embrenhamos no nevoeiro para começar a descer o trilho que serpenteia vertiginosamente encosta abaixo.
Até que a bruma nos dá tréguas e a Ribeira do Paúl surge aos nossos olhos em todo o seu esplendor. Um vale luxuriante que se espraia até ao mar, numa ilha eminentemente agrícola e em que a pesca também assume papel de relevo.
As principais produções são cana-de-açúcar, inhame, mandioca, banana, manga e milho. Uma densa rede de levadas e reservatórios permite a recolha e armazenamento de água das ribeiras a diferentes níveis, para distribuição pelas culturas de regadio praticadas nos socalcos.
Outra das principais produções da ilha é o grogue, a bebida emblemática do arquipélago, uma aguardente típica feita a partir da cana-de-açúcar com recurso, ainda hoje, a métodos tradicionais. A cana-de-açúcar é esmagada num trapiche e recolhe-se o sumo daí resultante que depois é destilado para se obter o grogue.
São cerca de duas horas a percorrer a longa e íngreme descida até ao lugar de Chã Manuel dos Santos, onde começa a estrada de paralelos que vai dar ao mar. Um cenário sempre verdejante pintalgado pelo casario colorido num vale confinado por imponentes montanhas.
Seguimos devagar, ao ritmo das gentes, parando para almoçar, conversar, contemplar, sem pressa. O dia destinado a esta imersão na Natureza, num cenário perfeitamente bucólico.

A vegetação é densa, as culturas multiplicam-se: é o milho, a cana-de-açúcar, o feijão, a mandioca, o inhame e as árvores de fruta-pão, papaieiras, mangueiras, bananeiras.
Avançamos pelo vale, agora em zona mais plana, acompanhando o leito da Ribeira do Paúl e o cantar das suas águas.
Chegamos à Cidade das Pombas, uma espécie de fajã escondida entre a montanha e o mar, mais para o fim da tarde. A nossa bagagem já está depositada no hotel, é o tempo de descansar um pouco e sair para jantar frente ao Atlântico.

No dia seguinte, percorremos numa pick-up (e com o mesmo motorista) a estrada litoral, via Pontinha da Janela e Porto Novo, infletindo depois para o interior. É uma travessia pela tal paisagem mais árida e desértica a sul da ilha em que se avistam muitos vulcões com caldeiras, relativamente jovens.
Rumamos a noroeste em direção ao Tope de Coroa, o pico mais elevado de Santo Antão e o segundo mais alto do arquipélago, um vulcão inativo com 1979 metros de altitude que se destaca de uma zona planáltica. A montanha faz parte de um parque natural que contém 65% das plantas endémicas angiospérmicas de Cabo Verde, muitas delas na lista de espécies ameaçadas sobretudo devido ao livre pastoreio e à falta de proteção desta zona por parte das entidades competentes.
Este parque, uma das sete maravilhas naturais de Santo Antão, apresenta uma paisagem selvagem, fortemente marcada por sucessivas erupções vulcânicas, testemunhadas pelos vários cones vulcânicos, aparentemente de idades diferentes e, em muitos casos, cobertos por uma vegetação típica (tortolho, losna e marcela). A área é a fonte de vários rios, incluindo a Ribeira de Monte Trigo, que flui para oeste.
A pick up conduz-nos agora por um caminho de terra batida que serpenteia encosta abaixo em direção à localidade de Tarrafal de Monte Trigo, a sudoeste. Apeamo-nos a dada altura para percorrer a pé o atalho íngreme aos ziguezagues de acesso à aldeia que avistamos lá ao fundo. Demoramos mais de uma hora na descida.
Tarrafal de Monte Trigo é um lugar especial onde mar e zona agrícola se casam na perfeição. Um "paraíso escondido" com uma bonita baía de areia negra, mas que começa a estar na mira de investidores nacionais e estrangeiros, interessados em aqui apostar no turismo.
Tarrafal de Monte Trigo
Ficamos aí apenas uma noite. O nosso motorista deixa-nos em Porto Novo onde apanhamos o barco de regresso à ilha que se desenha no horizonte, São Vicente.
E enquanto nos afastamos no mar, despedimo-nos da ilha de Santo Antão, uma agradável surpresa pela beleza e variedade dos cenários que ela oferece, pelos seus trilhos natureza adentro, os caminhos perdidos nos cabeços das montanhas envolventes, ziguezagueando nas vertentes ásperas, descendo e subindo as margens íngremes das ribeiras que correm para o mar, pelo toque de ruralidade de um local ainda não afetado pelo turismo de massas, pela simpatia e o modo de vida das suas gentes.