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sexta-feira, 25 de maio de 2018

Cabo Verde, Santo Antão

Santo Antão é uma das nove ilhas habitadas de Cabo Verde, a segunda maior do arquipélago em superfície e a terceira em população, com aproximadamente 40 km de extensão longitudinal e cerca de 20 km de largura. De origem vulcânica, Santo Antão é a ilha mais setentrional e ocidental de Cabo Verde e a mais afastada do continente africano, pelo que o seu extremo oeste é considerado o ponto mais ocidental de África. Uma cadeia de montanhas, tida durante muito tempo como intransponível, separa a ilha entre norte e sul. O ponto mais elevado da ilha é o Topo da Coroa, vulcão inativo com 1979m, que se destaca de uma zona planáltica no noroeste da ilha.


Desabitada aquando da descoberta em 1462 por Portugal, apenas começou a ser colonizada em 1548. O nome foi dado pelo navegador português Diogo Afonso em consonância com o santo do dia da descoberta, tal como ocorreu com outras ilhas do grupo (São Vicente, São Nicolau e Santa Luzia), e de acordo com o hábito já usado nos Açores. Os principais aglomerados populacionais são a vila da Ribeira Grande, Porto Novo e a Ponta do Sol.
Chegados de barco a Porto Novo, espera-nos a carrinha previamente reservada e que nos transporta encosta acima rumo às nuvens. Aí nos deparamos com o contraste entre a vertente da ilha voltada a sudeste, muito árida, e a zona nordeste que, graças a chuvas relativamente regulares, é mais verde.
Atravessamos bosques de coníferas e cedros e chegamos à espetacular Estrada da Corda, uma estrada empedrada construída nos anos sessenta do século XX, que conduz aos municípios da Ribeira Grande e do Paul e que se desenvolve na linha de cumeada que separa os vales da Ribeira Grande e da Ribeira da Torre. Mais uma vez paramos para contemplar a beleza avassaladora da paisagem.
As montanhas, compostas de basalto, erguem-se a centenas de metros de altura e pequenas povoações aninham-se nas encostas escarpadas que descem até ao mar.
Serpenteamos então estrada abaixo até à Ribeira Grande e ficamos hospedados na Ponta do Sol de onde partimos, no dia seguinte, para o trilho que liga esta localidade à aldeia da Cruzinha da Garça. É um trilho com mais de 10 km que leva umas seis horas a percorrer.
Ponta do Sol está localizada numa fajã, ou seja, numa pequena extensão de terreno plano situado à beira-mar, suscetível de cultura, formada por materiais desprendidos das arribas ou resultantes de escoadas de lava que penetram no mar.
Começamos a subir o trilho rasgado nos flancos das fragas vulcânicas, primeiro junto ao mar e depois mais para o interior, até chegarmos à aldeia das Fontainhas, alcandorada numa vertente e rodeada de campos cultivados em socalcos.
Fontainhas
Continuamos a percorrer o caminho vicinal que, de novo, segue em direção ao mar e a cada momento nos espantamos com as magníficas vistas panorâmicas. Uma descida acentuada, ladeada pelas estações da Via Sacra, leva-nos à aldeia do Corvo, aninhada no fundo da ribeira homónima.
Após o almoço na localidade de Formiguinhas, trilhamos o caminho ora talhado no alçado vertical das falésias ora encravado na base das ravinas escarpadas, subindo e descendo o piso irregular, sob o sol escaldante.
Em Chã de Mar, aldeia abandonada, depara-se-nos uma íngreme subida em ziguezague e continuamos o percurso costeiro passando por belas e solitárias praias de areia negra e outras de areia branca até chegarmos, por fim, à Cruzinha da Garça.

Aqui espera-nos o nosso motorista que nos leva de regresso ao hotel, passando em Chã de Igreja e outras pequenas localidades, através de um percurso também ele espetacular.
São estas paisagens recortadas no horizonte, o contraste entre as áreas verdes e outras totalmente secas, a rede de trilhos de acesso às povoações e aos campos de cultivo, através de aldeias em socalcos empoleiradas nas vertentes ou através dos vales verdejantes das ribeiras, que têm atraído os amantes das caminhadas, da natureza e do ecoturismo.

Outro trilho emblemático em Santo Antão é a descida da Ribeira de Paúl desde a Cova até à Vila das Pombas. De manhã cedo, deixámos a Ponta do Sol e tomámos a sinuosa estrada interior até ao cruzamento com a estrada que liga ao Pico da Cruz, onde começa (ou acaba para quem o faz em sentido contrário) o percurso. Deixámos os nossos pertences ao cuidado do nosso zeloso motorista e demos início à caminhada contornando a Cova, uma cratera vulcânica fértil em cultivos vários como inhame, feijão, batata, milho.
O dia estava luminoso mas quando nos acercámos da borda da cratera eis que nos embrenhamos no nevoeiro para começar a descer o trilho que serpenteia vertiginosamente encosta abaixo.
Até que a bruma nos dá tréguas e a Ribeira do Paúl surge aos nossos olhos em todo o seu esplendor. Um vale luxuriante que se espraia até ao mar, numa ilha eminentemente agrícola e em que a pesca também assume papel de relevo.
As principais produções são cana-de-açúcar, inhame, mandioca, banana, manga e milho. Uma densa rede de levadas e reservatórios permite a recolha e armazenamento de água das ribeiras a diferentes níveis, para distribuição pelas culturas de regadio praticadas nos socalcos.
Outra das principais produções da ilha é o grogue, a bebida emblemática do arquipélago, uma aguardente típica feita a partir da cana-de-açúcar com recurso, ainda hoje, a métodos tradicionais. A cana-de-açúcar é esmagada num trapiche e recolhe-se o sumo daí resultante que depois é destilado para se obter o grogue.
São cerca de duas horas a percorrer a longa e íngreme descida até ao lugar de Chã Manuel dos Santos, onde começa a estrada de paralelos que vai dar ao mar. Um cenário sempre verdejante pintalgado pelo casario colorido num vale confinado por imponentes montanhas.
Seguimos devagar, ao ritmo das gentes, parando para almoçar, conversar, contemplar, sem pressa. O dia destinado a esta imersão na Natureza, num cenário perfeitamente bucólico.

A vegetação é densa, as culturas multiplicam-se: é o milho, a cana-de-açúcar, o feijão, a mandioca, o inhame e as árvores de fruta-pão, papaieiras, mangueiras, bananeiras.
Avançamos pelo vale, agora em zona mais plana, acompanhando o leito da Ribeira do Paúl e o cantar das suas águas.
Chegamos à Cidade das Pombas, uma espécie de fajã escondida entre a montanha e o mar, mais para o fim da tarde. A nossa bagagem já está depositada no hotel, é o tempo de descansar um pouco e sair para jantar frente ao Atlântico.

No dia seguinte, percorremos numa pick-up (e com o mesmo motorista) a estrada litoral, via Pontinha da Janela e Porto Novo, infletindo depois para o interior. É uma travessia pela tal paisagem mais árida e desértica a sul da ilha em que se avistam muitos vulcões com caldeiras, relativamente jovens.
Rumamos a noroeste em direção ao Tope de Coroa, o pico mais elevado de Santo Antão e o segundo mais alto do arquipélago, um vulcão inativo com 1979 metros de altitude que se destaca de uma zona planáltica. A montanha faz parte de um parque natural que contém 65% das plantas endémicas angiospérmicas de Cabo Verde, muitas delas na lista de espécies ameaçadas sobretudo devido ao livre pastoreio e à falta de proteção desta zona por parte das entidades competentes.
Este parque, uma das sete maravilhas naturais de Santo Antão, apresenta uma paisagem selvagem, fortemente marcada por sucessivas erupções vulcânicas, testemunhadas pelos vários cones vulcânicos, aparentemente de idades diferentes e, em muitos casos, cobertos por uma vegetação típica (tortolho, losna e marcela). A área é a fonte de vários rios, incluindo a Ribeira de Monte Trigo, que flui para oeste.
A pick up conduz-nos agora por um caminho de terra batida que serpenteia encosta abaixo em direção à localidade de Tarrafal de Monte Trigo, a sudoeste. Apeamo-nos a dada altura para percorrer a pé o atalho íngreme aos ziguezagues de acesso à aldeia que avistamos lá ao fundo. Demoramos mais de uma hora na descida.
Tarrafal de Monte Trigo é um lugar especial onde mar e zona agrícola se casam na perfeição. Um "paraíso escondido" com uma bonita baía de areia negra, mas que começa a estar na mira de investidores nacionais e estrangeiros, interessados em aqui apostar no turismo.
Tarrafal de Monte Trigo
Ficamos aí apenas uma noite. O nosso motorista deixa-nos em Porto Novo onde apanhamos o barco de regresso à ilha que se desenha no horizonte, São Vicente.
E enquanto nos afastamos no mar, despedimo-nos da ilha de Santo Antão, uma agradável surpresa pela beleza e variedade dos cenários que ela oferece, pelos seus trilhos natureza adentro, os caminhos perdidos nos cabeços das montanhas envolventes, ziguezagueando nas vertentes ásperas, descendo e subindo as margens íngremes das ribeiras que correm para o mar, pelo toque de ruralidade de um local ainda não afetado pelo turismo de massas, pela simpatia e o modo de vida das suas gentes.

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